Índice :: el gê bê tê 2004 :: “Argumentos” contra o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo |
“A homossexualidade é imoral, não é natural, e não pode ser reconhecida pelo Estado”
Os casais homossexuais já têm as suas relações reconhecidas pelo Estado português. Falta, porém, dar-lhes acesso ao casamento civil, um contrato que especifica um conjunto mais abrangente de direitos e deveres (e que se destina também a pessoas sem qualquer religião). Portugal é um Estado laico e não está em causa o casamento religioso. É claro, portanto, que a discriminação associada à noção religiosa de “imoralidade” não pode ser imposta ao Estado português.
No entanto, e falando de religião, é interessante verificar que a Bíblia condena o sexo heterossexual centenas de vezes mais do que o sexo homossexual. A condenação do sexo homossexual existe de facto na Bíblia, que também condena à morte as pessoas que comem lagosta, apoia que um pai venda uma filha para a escravatura, e proclama que se deve queimar as pessoas que plantarem colheitas diferentes lado a lado...
Também a noção de “natural” invocada quando se fala de homossexualidade é uma noção eminentemente religiosa. Embora exista inclusivamente homossexualidade em muitas espécies animais, o ser humano é felizmente mais complexo - e a sua sexualidade é sem dúvida mais complexa. Não há nada de “natural” na organização social – nem na própria instituição do casamento...
“Se o casamento entre pessoas do mesmo sexo for permitido, porque não a poligamia ou o incesto?”
O argumento não tem qualquer relevância para o debate. Quanto à poligamia, ela não é reivindicada, existindo apenas em sociedades em que a exploração da mulher é permitida, violando aliás o princípio da igualdade entre membros de uma relação. Quanto ao incesto, não surgiram ao longo de séculos quaisquer indícios de um movimento que o advogasse - não serão certamente os casamentos entre pessoas do mesmo sexo que o causarão. Ninguém está, portanto, a propor essas alterações (por sinal, mais ligadas a relações heterossexuais). Este “argumento” é portanto uma mera tentativa de distracção – também utilizado, aliás, quando se discutiu nalguns países a possibilidade de casamentos interraciais.
O casamento entre gays ou lésbicas não é uma questão abstracta ou metafísica. Diz respeito a casais concretos cujas relações existem e são válidas (e dizer o contrário é simplesmente ofensivo). Diz respeito a pessoas que integram um segmento da população que tem sido historicamente oprimido, mas que já não está disposto a aceitar menos que a igualdade de direitos, exigindo a possibilidade de reconhecimento social por parte de um Estado que diz, na sua Constituição, não querer discriminar com base no sexo ou na orientação sexual.
“Permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo é desvalorizar ou destruir a instituição do casamento para os heterossexuais”
O casamento entre pessoas do mesmo sexo afecta... os casais de pessoas do mesmo sexo, permitindo-lhes aceder ao mesmo conjunto de direitos e deveres disponível para os outros casais. Pensar em termos simbólicos é desde logo um luxo que só é possível para quem ignora todas as dificuldades reais associadas à impossibilidade de um casamento civil. Por outro lado, quem considera que o casamento civil ficará simbolicamente afectado vê os casais de gays ou de lésbicas como “inferiores” e recusa-se a reconhecer a dignidade das suas relações, o que é inaceitável – e inconstitucional.
O casamento não é um “clube” que se torna menos atraente por ter membros de quem não se gosta – quem tem essa noção é que desvaloriza o casamento. A realidade é que o facto de duas pessoas se casarem não afecta o casamento ou a vida dos outros (e os opositores do casamento de gays ou lésbicas podem ficar descansados: é pouco provável que sejam convidados para algum!).
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