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Estávamos em 1996.
A homossexualidade, a discriminação com base na orientação sexual e os direitos por reconhecer à comunidade lgbt mal tinham começado a sair do armário do não-dito e a forçar a sua entrada na agenda política nacional. Do exército às forças policiais, dos hospitais às políticas de solidariedade social, multiplicavam-se ainda regulamentos discriminatórios, herdados do fascismo, remetendo explicitamente a homossexualidade para o campo das doenças mentais.
Contavam-se pelos dedos de uma mão @s homossexuais capazes de dar a cara publicamente pelo tema. Os meios de comunicação social mal tinham começado a abordar a dimensão sociológica e política de tais temáticas, sendo ainda predominantes os olhares criminalizantes ou medicalizantes da homossexualidade, ou a sua simples omissão. Vivíamos, então, num silêncio muito mais inquebrável que nos dias de hoje.
Foi necessário esperar oito anos para que a “campanha do 13” obtivesse a merecida mudança da Constituição, com a introdução da “orientação sexual” como factor de não-discriminação aprovada recentemente na Assembleia da República, em grande medida por pressão europeia. Ainda assim, estamos de parabéns.
Oito anos passados, estabelecemos um princípio, mas não o garantimos ainda. A realidade portuguesa mudou – mudámo-la! - mas pouco. Basta olharmos para as conquistas recentes da comunidade lgbt espanhola – sociais, políticas, mentais, legais – para tornar óbvio o abismo que nos separa. Portugal ainda é um dos países europeus onde pior se vive e se deixa viver as orientações sexuais ou identidades de género que não cabem nas palas estreitas da heterossexualidade.
Apesar de uma relativa abertura e de mais pessoas viverem abertamente ou, pelo menos, confortavelmente a sua homossexualidade; apesar do maior número de referências positivas e de uma crescente visibilidade social; apesar do crescimento e consolidação do movimento lgbt, a verdade é que a maioria dos regulamentos discriminatórios revogados continua informalmente a ser aplicada, enquanto parcas conquistas legais, como as Uniões de Facto, continuam sem regulamentação e a sua aplicação sujeita à arbitrariedade.
A homofobia continua virulenta, e a fazer estragos em inúmeras vidas. Crescer homossexual continua a ser uma experiência penosa e frequentemente traumática, começando pelo meio familiar e pela escola, onde a educação sexual e a pedagogia anti-homófoba continuam adiadas.
Nos ‘media’, de omitida, a homossexualidade passou a ser recurso de entretenimento, recriando estereótipos bem longínquos da vida da maioria lgbt. Resumidos a curiosidade de circo , “os homossexuais” - mil realidades metidas no mesmo saco- , continuam a ser mais sujeito de abordagem do que a discriminação de que são vítimas.
O poder político e a maioria dos actores políticos continuam a fugir quanto podem ao tema. Os conceitos legislativos – como a definição de família no Código Civil – continuam segregatórios. O sistema judicial continua preconceituoso e até a ignorar jurisprudência não-discriminatória.
Hoje entendemos como o início da emancipação lgbt em Portugal também significou uma evolução da homofobia: quanto mais visíveis formos, mais necessidade ela tem de se expressar explicitamente onde antes nem era preciso afirmá-la. Não espanta, por isso, que os arautos da discriminação tenham corrido a desvalorizar a aprovação da alteração do artigo 13º. Dizem-nos que alguns actos de homofobia não são “discriminação”, apenas “livre expressão de opinião”. Dizem-nos que “não-discriminação” não é sinónimo de “igualdade”. Ou que “igualdade” é apenas sinónimo de “alguma igualdade”.
Assim se vê quantas novas caras pode ter hoje o discurso discriminatório. Cabe-nos fazer do 13 o motor de um outro 31: o princípio do fim da homofobia.
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