Não Diga que Não Vê

“Argumentos” contra o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo


“Os casais de pessoas do mesmo sexo não podem ter filhos”
Os deveres do casamento civil estão claros na lei: assistência (alimentos e contribuição para os encargos da vida familiar), fidelidade, respeito, cooperação, coabitação. Muitos casais de gays e de lésbicas já os cumprem, mesmo não tendo acesso aos direitos. O casamento é, pois, actualmente baseado no afecto entre duas pessoas que decidem partilhar as suas vidas em pé de igualdade.
O casamento não é necessário para se ter crianças e também não há, portanto, qualquer dever legal de reprodução como consequência de um casamento. Aliás, não se proíbe o casamento entre pessoas estéreis, nem entre pessoas que usam métodos contraceptivos, nem entre pessoas para além da idade reprodutiva. Para além disso, os casais homossexuais podem ter filhos (e há muitos que os têm), quer através da inseminação artificial, quer através de parceiros substitutos, quer como resultado de relações anteriores. Há, sobretudo, muitos casais homossexuais que estão dispostos a criar filhos (biológicos ou adoptados).

“A homossexualidade é imoral, não é natural, e não pode ser reconhecida pelo Estado”
Os casais homossexuais já têm as suas relações reconhecidas pelo Estado português. Falta, porém, dar-lhes acesso ao casamento civil, um contrato que especifica um conjunto mais abrangente de direitos e deveres (e que se destina também a pessoas sem qualquer religião). Portugal é um Estado laico e não está em causa o casamento religioso. É claro, portanto, que a discriminação associada à noção religiosa de “imoralidade” não pode ser imposta ao Estado português.
No entanto, e falando de religião, é interessante verificar que a Bíblia condena o sexo heterossexual centenas de vezes mais do que o sexo homossexual. A condenação do sexo homossexual existe de facto na Bíblia, que também condena à morte as pessoas que comem lagosta, apoia que um pai venda uma filha para a escravatura, e proclama que se deve queimar as pessoas que plantarem colheitas diferentes lado a lado...
Também a noção de “natural” invocada quando se fala de homossexualidade é uma noção eminentemente religiosa. Embora exista inclusivamente homossexualidade em muitas espécies animais, o ser humano é felizmente mais complexo - e a sua sexualidade é sem dúvida mais complexa. Não há nada de “natural” na organização social – nem na própria instituição do casamento...

“Se o casamento entre pessoas do mesmo sexo for permitido, porque não a poligamia ou o incesto?”
O argumento não tem qualquer relevância para o debate. Quanto à poligamia, ela não é reivindicada, existindo apenas em sociedades em que a exploração da mulher é permitida, violando aliás o princípio da igualdade entre membros de uma relação. Quanto ao incesto, não surgiram ao longo de séculos quaisquer indícios de um movimento que o advogasse - não serão certamente os casamentos entre pessoas do mesmo sexo que o causarão. Ninguém está, portanto, a propor essas alterações (por sinal, mais ligadas a relações heterossexuais). Este “argumento” é portanto uma mera tentativa de distracção – também utilizado, aliás, quando se discutiu nalguns países a possibilidade de casamentos interraciais.
O casamento entre gays ou lésbicas não é uma questão abstracta ou metafísica. Diz respeito a casais concretos cujas relações existem e são válidas (e dizer o contrário é simplesmente ofensivo). Diz respeito a pessoas que integram um segmento da população que tem sido historicamente oprimido, mas que já não está disposto a aceitar menos que a igualdade de direitos, exigindo a possibilidade de reconhecimento social por parte de um Estado que diz, na sua Constituição, não querer discriminar com base no sexo ou na orientação sexual.

“Permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo é desvalorizar ou destruir a instituição do casamento para os heterossexuais”
O casamento entre pessoas do mesmo sexo afecta... os casais de pessoas do mesmo sexo, permitindo-lhes aceder ao mesmo conjunto de direitos e deveres disponível para os outros casais. Pensar em termos simbólicos é desde logo um luxo que só é possível para quem ignora todas as dificuldades reais associadas à impossibilidade de um casamento civil. Por outro lado, quem considera que o casamento civil ficará simbolicamente afectado vê os casais de gays ou de lésbicas como “inferiores” e recusa-se a reconhecer a dignidade das suas relações, o que é inaceitável – e inconstitucional.
O casamento não é um “clube” que se torna menos atraente por ter membros de quem não se gosta – quem tem essa noção é que desvaloriza o casamento. A realidade é que o facto de duas pessoas se casarem não afecta o casamento ou a vida dos outros (e os opositores do casamento de gays ou lésbicas podem ficar descansados: é pouco provável que sejam convidados para algum!).



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