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idade de consentimento igual para tod@s
Em Portugal, a discriminação em função da orientação sexual, agora proibida na Constituição, ainda se mantém na lei.

No Código Penal, o art. 174º penaliza “actos sexuais com adolescentes” entre os 14 e os 16 anos, desde que haja “abuso da inexperiência” da vítima; esta ressalva já não está incluída no art. 175º que penaliza “ actos homossexuais com adolescentes” das mesmas idades (ver Código Penal). Desde há muito que diversas associações e grupos de defesa dos direitos de lésbicas e gays se têm pronunciado contra este aspecto discriminatório do Código Penal.
O que está em causa não é o abuso de adolescentes sem o seu consentimento, que é inequivocamente punido, e com toda a correcção, em ambos os casos.
A diferença resume-se apenas a situações em que há consentimento das e dos adolescentes: se as relações forem heterossexuais (porque o legislador pensa portanto que “actos sexuais” é sinónimo de “actos heterossexuais”...), esse consentimento pode ser consciente; se forem homossexuais, esse consentimento é inconsciente.
Isto significa que a lei permite que um adolescente de 15 anos possa em consciência decidir ter relações sexuais com uma mulher com mais de 18 anos. Mas entende que já um adolescente de 15 anos que decida ter relações sexuais com um homem com mais de 18 anos o faz claramente por “inconsciência”: portanto, se é homossexual, é-o porque ainda não viu a “luz” da heterossexualidade e ainda pode ser “curado”. O facto desta noção estar ainda representada no nosso Código Penal é simplesmente chocante.
Por seu lado, a determinação do conceito de “acto homossexual de relevo” é deixada a cargo de juízes, o que se torna particularmente problemático porque, como se pode depreender da leitura de um acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça (ver comunicado de imprensa), a ignorância e o preconceito dominam até as mais altas instâncias judiciais. Por atentar contra o direito à auto-determinação sexual, defendemos que qualquer abuso sexual é um crime que deve ser claramente punido por lei, independentemente da orientação sexual do agressor e independentemente do facto de agressor e vítima serem do mesmo sexo ou de sexos diferentes. E precisamente porque o direito à auto-determinação sexual é inalienável, a idade de consentimento deve também ser independente da orientação sexual. Defender o direito à auto-determinação sexual significa, por isso, condenar o abuso sexual e condenar também a discriminação patente no art. 175º.

O artigo 13º da Constituição da República Portuguesa proíbe explicitamente a discriminação com base na orientação sexual. Urge, portanto, eliminar o art. 175º e uniformizar os preceitos relativos à idade do consentimento num só artigo sem qualquer distinção entre hetero- e homossexualidade — à semelhança, aliás, do que acontece na quase totalidade dos países da União Europeia, e de acordo com veementes recomendações de instâncias europeias, nomeadamente do Parlamento Europeu (ver Parlamento Europeu). Até lá, a pretensa igualdade de cidadãos perante a lei e perante a justiça continuará por cumprir.


CÓDIGO PENAL

ARTIGO 174º
Actos sexuais com adolescentes

Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

ARTIGO 175º
Actos homossexuais com adolescentes

Quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.


PARLAMENTO EUROPEU

Relatório Anual do Parlamento Europeu sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia (1998-1999) (11350/1999 – C5-0265/1999 – 1999/2001(INI))
«Deplora que alguns Estados-membros mantenham ainda nos seus Códigos Penais disposições discriminatórias sobre a idade de consentimento para as relações homossexuais, bem como outras disposições discriminatórias (...), e repete o seu apelo para que essas cláusulas sejam revogadas.»

Resolução do Parlamento Europeu sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia (2002) (A5-281/2003 - 2002/2013(INI))
«Solicita uma vez mais aos Estados-Membros a abolição de qualquer forma de discriminação legal ou de facto de que ainda são vítimas os homossexuais [...]. Exorta Portugal, a Irlanda e a Grécia a alterarem rapidamente as respectivas legislações que prevêem uma diferença das idades de consentimento em função da orientação sexual, dado o carácter discriminatório destas disposições.»


Excerto de comunicado de imprensa subscrito por: Associação ILGA Portugal, @t. - Associação para o Estudo e Defesa dos Direitos à Identidade de Género, Clube Safo, #gayteenportugal, GTH - Grupo de Trabalho Homossexual, não te prives – Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais, PortugalGay.PT, rede ex aequo:

Supremo Tribunal de Justiça incentiva a discriminação em função da orientação sexual - Acórdão sobre actos homossexuais entre adultos e adolescentes é insultuoso, ignora e contraria a OMS, a União Europeia e a comunidade científica.
O Supremo Tribunal de Justiça redigiu recentemente um acórdão em que defende a discriminação inerente ao art.175º do Código Penal, contrariando não só penalistas portugueses (com destaque para Teresa Beleza), mas também recomendações inequívocas da União Europeia (ver nota 1).Pode ler-se no acórdão que a natureza dos actos homossexuais entre adultos e menores “é (...) objectivamente mais grave do que a prática de actos heterossexuais com menores”. Isto porque “são substancialmente mais traumatizantes por representarem um uso anormal do sexo, condutas altamente desviantes, contrárias à ordem natural das coisas, comprometendo ou podendo comprometer a formação da personalidade e o equilíbrio mental, intelectual e social futuro da vítima”. Acrescenta-se também que: “É mais livre e prematuro o consentimento de adolescentes para a a prática de actos heterossexuais, sendo mais tardio o processo genético de formação de vontade de adesão dos adolescentes para a prática de actos homossexuais”.
As associações e colectivos Lésbicos, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT) gostariam de deixar bem claro que não se pronunciam, obviamente, em relação ao caso concreto que motivou o acórdão do STJ (um recurso da defesa de Michael John Burridge). Contudo, repudiam em absoluto o excerto desse acórdão que aborda a discriminação associada ao art. 175º.
Desconhece-se a base científica para a afirmação sobre o “processo genético de formação da vontade de adesão dos adolescentes para a prática de actos homossexuais”. Suspeita-se que será a mesma base científica das restantes afirmações: aquela que não é necessária quando se pretende discriminar em função da orientação sexual. Assim, a palavra “desviante” é um termo psiquiátrico que não é aplicado à homossexualidade há várias décadas (ver nota 2); a “ordem natural” é um conceito religioso inadmissível num dos principais poderes de um Estado laico; a expressão “anormal” é um insulto, igualmente inadmissível, que revela bem o pendor marcadamente ideológico, acientífico e meramente preconceituoso desta “justificação”.
A ignorância profunda e a confusão de conceitos patentes nesse documento tornam-no, num momento em que se pretende assegurar e incentivar a credibilidade das instituições e o respeito pela justiça, particularmente infeliz. Trata-se afinal de um acórdão político, profundamente homofóbico e heterossexista.

Notas:
1. Ver Relatório Anual e Resoluções do Parlamento Europeu.
2. Em Dezembro de 1973, a American Psychiatric Association’s Board of Trustees removeu a homossexualidade da sua nomenclatura oficial de doenças revisão e publicação da 10º edição da Classificação Internacional de Doenças - CID 10, deixou de considerar a homossexualidade como doença.


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