Não Diga que Não Vê

O Meu Filho é Homossexual. E agora?


Você criou o seu filho com amor e carinho. Por vezes sacrificou-se, para lhe dar a melhor educação possível. É provável que o tenha visto como um prolongamento de si e tenha desejado para ele uma vida de felicidade e sucesso, nos planos amoroso, familiar, profissional e social. Mas com certeza você também pensou muitas vezes em como o seu filho é um indivíduo com vida própria ou como as escolhas dele podem ser diferentes das suas (por exemplo, os gostos musicais, os amigos com quem sai, até mesmo as ideias políticas), sem que isso vos afaste, desde que haja a comunicação e o afecto suficientes para aprenderem em conjunto. Você sabe que o laço entre si e o seu filho nunca se perderá, mas que, para tal, terá que o cultivar depois da inevitável separação.
Mas um dia o seu filho diz-lhe que gosta sobretudo de pessoas do mesmo sexo. Ou que se apaixonou por alguém do mesmo sexo. E você não sabe como reagir.

Será que eu tenho culpa por ele ser assim?
É natural que os pais procurem responsabilizar-se pelo que de “errado” acontece aos filhos. Eles desejam o melhor para eles e esforçam-se, ao longo do seu crescimento, para lhes darem orientação e valores. Um belo dia o filho comunica-lhes que é homossexual ou que está apaixonado por alguém do mesmo sexo, e a força dos costumes e da pressão social leva os pais a pensarem que fizeram algo de errado ou que os filhos foram vítimas de más companhias. Normalmente, nem uma nem outra coisa são verdade. As teorias que procuram explicar a origem ou causa da homossexualidade são especulativas. Na realidade, a própria pergunta sobre as origens da homossexualidade é absurda, pois implica responder também à pergunta sobre as origens da heterossexualidade. A sexualidade dos indivíduos - incluindo a orientação sexual – é o produto de muitos e insondáveis factores. E os comportamentos sexuais só devem ser encarados como problemas quando dão mal-estar aos próprios ou interferem com a liberdade alheia, e não porque os valores sociais dominantes os consideram errados. Você não teve “culpa”. Pense antes em como educou o seu filho tão bem que ele confiou em si e contou-lhe a verdade, uma verdade íntima e fundamental para ele se sentir bem consigo próprio.

Como é possível aceitar a homossexualidade?
Os seres humanos, enquanto animais, podem ser ou macho ou fêmea, de modo a permitir a reprodução sexuada. Este é um dado da natureza, como que uma herança da humanidade. Mas é um dado com tantas consequências morais quanto o clima ou a vegetação. Condiciona, não determina. Isto porque os seres humanos não são apenas animais, pois têm racionalidade, afectividade e cultura. Cada vez é mais consensual pensar-se que somos, à nascença, potencialmente bissexuais. Trata-se de uma questão de probabilidades e combinatórias: havendo dois sexos, teremos pessoas que gostam mais de outras do mesmo sexo, e pessoas que gostam mais de pessoas de outro sexo, sendo que raramente esse sentimento é exclusivo ou definitivo.

O que é que ele anda a fazer?
Muito provavelmente, o que o seu filho anda a fazer é a namorar, como qualquer outro jovem. Ou a querer começar uma relação de casal, como qualquer outra pessoa. Deverá ter conhecido alguém por quem se sentiu muito atraído, num amor recíproco. As imagens de grupos de homossexuais fechados sobre si mesmos, promíscuos e obcecados por sexo, ou se aplicam a uma minoria cuja projecção é exagerada pela curiosidade e o opróbrio, ou se aplicam a uma fase de experimentação na vida das pessoas, comum a heterossexuais e a homossexuais. A maior parte dos homossexuais são pessoas como as outras, sem traços exteriores visíveis, desejosas de encontrarem alguém com quem possam construir uma relação amorosa satisfatória. Não se relacionam só com outros homossexuais; e comportamentos criminosos, como a violação ou o abuso sexual, não estão relacionados com a orientação sexual. Todos os preconceitos contra os homossexuais são isso mesmo, preconceitos. Diferem pouco daqueles que existem contra negros, judeus ou mulheres. E têm a mesma causa: a ignorância.
Por outro lado, um dos aspectos que mais assusta os pais, e quem não conhece a homossexualidade, são as práticas sexuais em si. Ora, elas nada têm de especialmente diferente das práticas heterossexuais: em ambos os casos, trata-se de usar o que a natureza nos deu, o nosso corpo e os nossos genitais – assim como a afectividade e a fantasia - para obter e dar prazer.

Será que ele vai sofrer por ser assim?
Seria irresponsável dizer que não. Por várias razões. Se o seu filho lhe contou que é homossexual, isso significa que ele já passou por um penoso processo de tomada de consciência e chegou à conclusão que está bem consigo próprio. Ao contar-lhe, ele está a dizer: confio que me aceites como sou e preciso do teu afecto e apoio para ultrapassar as dificuldades que possa vir a sentir. Essas dificuldades podem ter a ver com a “coscuvilhice” dos outros, com o emprego, etc. Mas quantos mais homossexuais assumidos houver, mais a sociedade aprenderá a conviver com a diversidade.

O que é que eu posso fazer?
Desde logo, o que não deve fazer, para seu bem e dele: tentar convencê-lo a mudar, propor uma cura, ou cortar os laços. Não se convence alguém a mudar de sentimentos e de impulso erótico, pois não se trata de uma escolha (a escolha é a de ter assumido e comunicado a orientação sexual); não se propõe uma cura, pois a homossexualidade não é uma doença (e quando se achava que o era, as “curas” de internamento psiquiátrico e de electrochoques não curaram ninguém: apenas destruíram as pessoas); e não deve cortar os laços, pois isso só vai fazer com que ambos sofram e percam a oportunidade de se conhecerem melhor enquanto pessoas.
O único caminho possível é o diálogo. Procure aprender com o seu filho, esclarecer dúvidas com ele. Se ele tem um namorado, procure conhecê-lo, pois assim verá uma pessoa e não uma abstracção. Pode também procurar ler obras que versem o assunto. Em Portugal, as associações de defesa dos direitos lgbt dispõem de linhas de apoio e até de grupos de discussão para pais que passaram pela sua situação. Se, ainda assim, se sentir perturbado, não se coíba de procurar ajuda psicológica: os psicólogos estão hoje mais dispostos a ajudar pessoas na sua situação do que a “curar” a homossexualidade.
Pense bem: o seu filho, ao contar-lhe, está não só a respeitá-lo, como a dar-lhe uma prova de carinho e estima. Está a contar-lhe a verdade. Está a dizer-lhe que você não fez nada de errado. E espera de si o que sempre esperou: que o queira feliz – especialmente no amor — seguindo o seu próprio caminho, numa época que é necessariamente diferente daquela em que você viveu. Em suma, o seu filho está a dizer-lhe que gosta de si, e que além do apoio e compreensão que sempre recebeu, agora espera também respeito.


Versão On-Line de el gê bê tê 2003 por PortugalGay.PT
http://portugalpride.org/elgebete/2003/txt16.asp